Andarilhos: Não os deixe entrar lá em casa
A perigosidade dos andarilhos levou a APSI, Associação para a Promoção da Segurança Infantil, e a SPP, Sociedade Portuguesa de Pediatria, a desenvolver um estudo piloto da incidência nacional de lesões associadas a acidentes com andarilhos. A investigação ainda está a decorrer e as conclusões deverão ser apresentadas perto do final deste ano, altura em que a APSI apresentará uma nova campanha contra a utilização de andarilhos.
Os últimos dados do EHLASS (Sistema Europeu de Vigilância de Acidentes Domésticos e de Lazer, coordenado pelo Instituto do Consumidor) referentes a Portugal, remontam a 1998 e contabilizam 850 acidentes com andarilhos por ano. Estes números referem-se apenas a lesões suficientemente graves para obrigar a recorrer a um serviço de urgência hospitalar. De fora ficam os casos em que a criança é tratada em casa ou levada a outros serviços de saúde. As idades mais afectadas situam-se entre os 6 e os 15 meses. Cerca de metade dos casos correspondem a quedas de escadas. Mais de 60 por cento das crianças acidentadas sofrem traumatismos cranianos.
Canadá exemplo único
Em Abril de 2004, o Canadá tornou-se o primeiro país a proibir os andarilhos. O ministro da Saúde do país anunciou a medida, lembrando «os perigos a que as crianças ficavam expostas com a utilização de andarilhos». Desde 1989 que muitas marcas já tinham deixado de comercializar voluntariamente este tipo de artigos, o que terá originado uma espécie de mercado negro durante esse período. Os acidentes continuaram a acontecer e o governo decidiu tomar medidas extremas: a proibição. Multas e apreensão do andarilho são as penas para quem for encontrado na posse de um neste país.
Entre as dicas aos pais sobre segurança infantil, a APSI desaconselha totalmente a utilização de andarilhos. Na última campanha, em 1998, o slogan era bem claro: «Diga não aos andarilhos». No spot televisivo via-se um boneco dentro de um andarilho a tropeçar num degrau e a cair com a cabeça no chão, a chocar com a cabeça no tampo de uma mesa e
caindo pelas escadas abaixo. Imagens arrepiantes que, em breve, vão voltar à televisão. «As normas europeias de segurança para os andarilhos referem apenas a largura do arco, que deve ser suficientemente grande para impedir a passagem por certos sítios, e o sistema de travagem, que, no caso de uma roda ficar no ar, deve obrigar as outras a travarem», explica Helena Cardoso Menezes, deixando claro que são medidas insuficientes. «Os andarilhos são, isoladamente, os equipamentos de puericultura que mais acidentes graves provocam na faixa etária entre os 6 e os 15 meses».Inimigos da marcha
O perigo de acidentes não é o único problema dos andarilhos. «O facto de a criança ficar em pé no andarilho impede-a de rolar, sentar-se ou gatinhar, que são as bases para a aquisição da marcha. Quanto mais praticar estas etapas, mais depressa aprenderá a andar. Além disso, como o bebé anda na ponta dos pés, causa tensão nos músculos das pernas, atrasando o desenvolvimento motor em geral», explica Elsa Rocha, pediatra no Hospital de Faro. «Os andarilhos são um contra-senso, uma vez que são desenhados para pôr a criança numa posição que não é a ideal para o seu desenvolvimento naquele momento», clarifica Elsa Rocha, que também é uma das responsáveis pelo estudo da SPP sobre andarilhos.
A pediatra reforça ainda a inutilidade dos andarilhos, alertando para os perigos que lhe estão associados: «São completamente contra-indicados. Mesmo que sejam utilizados durante pouco tempo, não fazem bem nenhum. É fundamental alertar os pais. A maior parte não tem noção de que os andarilhos são um objecto perigoso e sem qualquer tipo de vantagem.»
Proibir a venda de andarilhos seria a solução? «Proibir apenas em Portugal não fará muito sentido, pois facilmente se compraria um andarilho em Espanha.»
A discussão sobre o perigo dos andarilhos já fez correr muita tinta pelo mundo fora, principalmente no Reino Unido e nos EUA. A Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda a proibição de andarilhos desde 1995. No entanto, e apesar de em 2001 terem sido registados mais de seis mil acidentes com crianças em andarilhos, o governo americano ainda não tomou qualquer medida nesse sentido. Ao longo destes anos, a AAP tem feito vários comunicados dirigidos aos pais, desencorajando-os a comprar os aparelhos.
Em Portugal, a recomendação surge até no Boletim de Saúde Infantil e Juvenil: «Os andarilhos (aranhas, voadores) provocam muitos acidentes: quedas, entalões, queimaduras, pancadas na cabeça, e não ajudam a andar, pelo contrário, podem atrasar», lê-se nos conselhos aos pais. Os especialistas recomendam ainda, a quem tiver um andarilho em casa, que, antes de o deitar para o lixo, o destrua até ficar inutilizado, para que ninguém possa mesmo voltar a usá-lo.
Um estudo publicado no British Medical Journal, em Junho de 2002, arrasou de vez com as teorias que diziam que os andarilhos estimulavam a aquisição da marcha. Uma investigação da Universidade de Fisioterapeutas de Dublin concluiu que por cada 24 horas em cima de um andarilho, um bebé atrasava o início da marcha mais de três dias. Para chegar a estes números, os investigadores analisaram a evolução do desenvolvimento motor de 190 bebés saudáveis. Segundo explicaram, os bebés que utilizam andarilhos «andam sem carregar o peso do próprio corpo, o que faz com que os seus músculos e ossos não se desenvolvam normalmente».
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