Reggio Emília: a arte como ferramenta para construção do processo de conhecimento
São Paulo, 26 de março de 2007 - Após a segunda guerra mundial, um grupo de mulheres da cidade italiana de Reggio Emilia buscava um modelo diferente de escola, integrada à comunidade e com formação pautada na ética e no desenvolvimento de competências. A abordagem educacional foi criada de maneira democrática e tão bem sucedida que acabou sendo municipalizada em 1963 e logo se espalhou por todas as escolas do município. O reconhecimento internacional surgiu em 1991, quando a revista norte-americana Newsweek publicou uma matéria apontando o sistema educacional infantil de Reggio Emilia como o mais admirável do mundo.
Até os dias de hoje, o desenvolvimento pedagógico é feito de maneira democrática, na qual desde os coordenadores até cozinheiros são considerados peças fundamentais para o processo. Na entrevista a seguir, Bruna Elena Giacopini, pedagoga das escolas de Reggio Emilia explica um pouco sobre os conceitos que norteiam esse inovador projeto pedagógico. Formada em pedagogia pela Universidade de Bologna, a profissional integra uma grande equipe que trabalha com uma abordagem baseada no empenho, na pesquisa e na experimentação, onde existe extrema valorização dos alunos como indivíduos e do confronto de idéias para a formulação democrática do conhecimento.
Como ocorre a busca da autonomia das crianças por meio dos projetos de Reggio Emilia?
Muito mais importante do que perguntar às crianças é deixar que elas façam as perguntas para si mesmas, para os colegas e para os professores. Nos sistemas educacionais tradicionais, a criança é muito condicionada a repetir determinada informação quando questionada sobre algo. Em Reggio Emilia, a construção de projetos gera experiências próprias em cada um dos alunos e os professores estimulam os alunos a se perguntarem se o que fizeram deu certo ou errado, se foi difícil, sobre o que gostariam de fazer diferente para melhorar a atividade, enfim, elas passam a ser autônomas sobre seus próprios passos. Esse é, provavelmente, o aspecto mais revolucionário da proposta.
E como os projetos se desdobram após essa etapa inicial?
Quando envolvemos os alunos em algum projeto de construção manual, fazemos com que essa situação dê vazão a uma série de outras experiências, talvez completamente diferente do projeto original, como parte de um processo que é possível graças ao entrelaçamento das relações entre crianças e adultos. O educador está incorporado ao ambiente para conduzir os caminhos das crianças por meio da interpretação que ele tem do trabalho realizado. Condução não quer dizer direção, já que os passos do projeto continuam sendo definidos pelas crianças. É bastante complicado definir em palavras um trabalho tão prático como esse, mas dá para perceber que os professores são figuras essenciais nesse processo, assim como todo o processo de relacionamento das crianças com estes e com seus colegas. Este relacionamento é intenso pois há dois professores com a mesma competência se dedicando a um grupo de 26 crianças, que se subdividem durante os projetos.
Por falar em relacionamento, Reggio Emilia também se destaca pelos conceitos de escola da comunidade, ou seja, não existe uma separação tão delineada entre vida na escola e fora dela. Como isso funciona?
Uma das coisas mais importantes é apresentar espaços que mostrem o relacionamento da criança com a comunidade, ligado às atividades da escola. Em Reggio Emilia, a produção dos alunos não fica dentro da sala de aula, mas são expostas em estabelecimentos da cidade e em algumas vezes até ao ar livre, em locais públicos. Isso privilegia a percepção do aluno de que toda a comunidade é seu ambiente educacional.
A senhora poderia falar um pouco mais do processo de aprendizagem?
A abordagem é para educação infantil, então o objetivo final não é alfabetizar a criança, mas desenvolver nela a busca por respostas por meio de pesquisas e de seu relacionamento com as pessoas e o ambiente. Não existe avaliação concreta das atividades das crianças, mas sim análise das suas potencialidades. Se algum projeto dá errado, os pequenos são estimulados a buscar novas respostas, pensar em alternativas, procurar com colegas e amigos a razão do que deu errado. Assim, um aparente erro ou fracasso transforma-se numa nova oportunidade de desenvolvimento. Como já foi destacado, o professor é quem estimula as crianças a buscar essas respostas, mas elas continuam sendo protagonistas do processo.
As manifestações artísticas são o resultado final de um processo de aquisição de conhecimento. A arte tem a função de comunicar visualmente o resultado dos estímulos que a criança recebeu ao estudar algum tema. Para fazer uma escultura de argila, por exemplo, primeiro eles estudam o objeto de inspiração em todos os seus aspectos. A própria riqueza de detalhes que obtemos nessas manifestações artísticas realizadas por crianças pequenas comprova a profundidade do que foi estudado. A técnica para a produção da peça artística é o elemento menos importante desse processo.
E durante esse processo complexo de aprendizagem, como o caráter dos alunos é formado?
Todo o trabalho valoriza a ética do relacionamento das crianças com outras crianças, com os adultos e com o meio ambiente. Quando a criança ingressa na escola, já encontra uma dimensão de comunidade muito forte. Os professores ocupam-se de todas as tarefas que denotam relacionamento mais próximo, como levar ao banheiro ou trocar a roupa das crianças. Os materiais utilizados nas aulas vêm da reciclagem e as crianças são conscientizadas disso. Tudo acaba criando uma sensação de pertencimento que estabelece a conduta ética.
Os conceitos sobre escrita do Reggio Emilia também mostram revolução sobre o conhecimento da criança. Como surgiu isso?
Por meio da experiência. A criança, desde muito pequena, já tem noções de representação gráficas de fenômenos que a cerca. Não se aprende a ler e escrever quando se diz que essas ações serão realizadas. Isso acontece de forma natural. Algumas saem alfabetizadas da nossa abordagem de educação infantil da forma mais natural possível, ou seja, por meio da interação com o mundo, estimulada pelos adultos. Assim, quando uma criança faz um desenho ou se manifesta de alguma forma, cabe ao professor interpretar aquele sujeito e identificar qual será o método ideal para sua aprendizagem. É um trabalho difícil de se realizar, mas apaixonante, a partir do momento que se descobre essa forma de trabalhar. Creio que esse é o principal fascínio de Reggio Emilia.
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