quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007



Contar Histórias– Uma Linguagem de Afeto

Laerte Vargas


O processo de formação de um leitor começa bem antes dele aprender a decodificar a leitura a partir do texto escrito. O início deste caminho e a sedução para o mesmo se dão ainda no berço, através dos acalantos e parlendas e, claro, da ambiência de afeto que este momento propicia.
A partir das cantigas de ninar, a criança vai criando ferramentas para se tornar leitor e identificar a espinha dorsal de uma narrativa.


No entanto, é errada a idéia que comumente se tem de que contar histórias é privilégio dos pequenos. O ofício de contador tem me mostrado que contar e ouvir histórias é uma arte sem idade, o que confirma a máxima popular que diz que “de uma boa história ninguém escapa”.



As histórias não só ensinam como também nos convidam a olhar para dentro, pois apresentam os percalços e deleites que a vida nos reserva. Algumas linhas de psicologia, inclusive, defendem a idéia de que crianças que ouvem histórias na infância se tornam adultos mais seguros e profissionais bem sucedidos. Isso porque o texto ouvido na infância fica ecoando em nossa memória afetiva e serve de alicerce para o processo de individuação; internalizamos a idéia de que a vida não é exclusivamente um mar de rosas e que temos muitos dragões e bruxas a vencer nesta trajetória de crescimento.



Mas, afinal, o que conta o conto?


As histórias populares mostram sempre, num primeiro plano, um personagem sendo compelido a um processo de transformação: ele é expulso de casa ou tem que fugir; enfim, sair do âmbito familiar para cumprir uma tarefa essencial para sua sobrevivência ou de um ente querido. Muitos contos iniciam mostrando a morte da mãe “perfeita demais” para que possa dar lugar a um indivíduo único e inimitável. A partir disso, ele se confrontará com impasses morais, terá que discernir o bem do mal, atravessar florestas escuras ( seus medos ) para fazer jus ao “ser feliz”.

Na verdade, são questões que não fazem parte unicamente do repertório infantil e, sim, norteadores para uma vida com mais qualidade e expressão.



As histórias nos acordam dos nossos encantamentos, abrem espaço para outros e se tornam fiéis parceiras em nossos processos de transformação.

“Mas, já temos tudo pronto... A televisão não é o mais prático contador de histórias?”, perguntarão alguns. Sem dúvida, a televisão hoje em dia é uma janela para o mundo. Mas, quanta poluição entra quando resolvemos abrir a janela de nossa casa?

Simplesmente apertamos um botão, selecionamos um canal e não nos preocupamos (e nem temos tempo) para filtrar o que é servido às nossas crianças... E quanto da capacidade imaginativa cerceamos quando damos as imagens já prontas e num ritmo industrial que nunca conseguirá suprir a afetividade que o contar histórias proporciona! Cada ouvinte imaginará a história do seu jeito, ele mesmo será o pintor desta tela e elegerá as cores que usará.



E, o melhor de tudo, terá os olhos do contador como porto seguro para sua viagem.

Tudo isso faz do contar histórias uma linguagem única e que pode ser desenvolvida por qualquer um que tenha no coração um ninho aconchegante para recebê-las e compartilhá-las.



Laerte Vargas é contador de histórias, pesquisador, fundador do Confabulando - Contadores de Histórias, Dinamizador de Oficinas de contadores de histórias



Site:
http://www.contadoresdehistorias.pro.br/
Email: spaco@easynet.com.br

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